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quarta-feira, 9 de março de 2011

Rev. Augustus Nicodemus Lopes - O cristão e as doenças




Augustus Nicodemos

Creio em milagres. Creio que Deus cura hoje em resposta às orações de seu povo. Durante meu ministério pastoral, tenho orado por pessoas doentes que ficaram boas. Contudo, apesar de todas as orações, pedidos e súplicas que os crentes fazem a Deus quando ficam doentes, é um fato inegável que muitos continuam doentes e eventualmente, chegam a morrer.

Apesar do ensino popular de que a fé nos cura de todas as enfermidades, uma breve consulta feita à capelania hospitalar de grandes hospitais do nosso país revela que há um número elevado de evangélicos hospitalizados -- tradicionais, pentecostais e neopentecostais -- sofrendo dos mais diversos tipos de males. A proporção de evangélicos nos hospitais acompanha a proporção de evangélicos no país. As doenças não fazem distinção religiosa.

Para muitos evangélicos, no entanto, os crentes adoecem e não são curados porque lhes falta fé em Deus.

Será que poderemos dizer que todos eles -- sem exceção -- estão ali porque pecaram contra Deus, ficaram vulneráveis aos demônios e não têm fé suficiente para conseguir a cura?

É nesse ponto que muitos evangélicos que adoeceram, ou que têm parentes e amigos evangélicos que adoeceram, entram numa crise de fé. Muitos, decepcionados com a sua falta de melhora, ou com a morte de outros crentes fiéis, passam a não crer mais em nada e abandonam suas igrejas e o próprio Evangelho. Outros permanecem, mas marcados pela dúvida e incerteza. Todavia, conforme a Bíblia e a história nos ensinam, mesmo homens de fé podem ficar doentes.

Há diversos exemplos na Bíblia de homens de fé que ficaram doentes e até morreram dessas enfermidades. Um deles foi o profeta Eliseu, que padeceu de uma enfermidade que o levou a morte: "Estando Eliseu padecendo da enfermidade de que havia de morrer" (2Re 13.14). Outro, foi Timóteo. Paulo recomendou-lhe um remédio caseiro por causa de problemas estomacais e enfermidades freqüentes: "Não continues a beber somente água; usa um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas freqüentes enfermidades" (1Tm 5.23).

Ao final do seu ministério, Paulo registra a doença de um amigo que ele mesmo não conseguiu curar: "Erasto ficou em Corinto. Quanto a Trófimo, deixei-o doente em Mileto" (2Tm 4.20).

O próprio Paulo padecia do que chamou de "espinho na carne". Apesar de suas orações e súplicas, Deus não o atendeu, e o apóstolo continuou a padecer desse mal (2Co 12.7-9). Alguns acham que se tratava da mesma enfermidade da qual Paulo padeceu quanto esteve entre os Gálatas: "a minha enfermidade na carne vos foi uma tentação, contudo, não me revelastes desprezo nem desgosto" (Gl 4.14). Outros acham que era uma doença nos olhos, pois logo em seguida Paulo diz: "dou testemunho de que, se possível fora, teríeis arrancado os próprios olhos para mos dar" (Gl 4.15). Também podemos mencionar Epafrodito, que ficou gravemente doente quando visitou o apóstolo Paulo: "[Epafrodito] estava angustiado porque ouvistes que adoeceu. Com efeito, adoeceu mortalmente; Deus, porém, se compadeceu dele e não somente dele, mas também de mim, para que eu não tivesse tristeza sobre tristeza" (Fp 2.26-27).
Temos ainda o caso de Jó, que mesmo sendo justo, fiel e temente a Deus, foi afligido durante vários meses por uma enfermidade, que a Bíblia descreve como sendo infligida por Satanás com permissão de Deus: "Então, saiu Satanás da presença do Senhor e feriu a Jó de tumores malignos, desde a planta do pé até ao alto da cabeça. Jó, sentado em cinza, tomou um caco para com ele raspar-se" (Jó 2.7-8). Isaque, o grande servo de Deus, sofria da vista quando envelheceu, a ponto de não saber distinguir entre Jacó e Esaú: "Tendo-se envelhecido Isaque e já não podendo ver, porque os olhos se lhe enfraqueciam" (Gn 27.1). Esses e outros exemplos mostram que homens de Deus, fiéis e santos, foram vitimados por doenças e enfermidades.

O mesmo ocorre na história da Igreja. Nem mesmo cristãos de destaque escaparam das doenças e dos males. João Calvino era um homem com várias enfermidades. Mesmo aqueles que passaram a vida toda defendendo a cura pela fé sofreram com as doenças, e alguns acabaram morrendo. Um deles foi Edward Irving, o pai do movimento carismático. Pregador brilhante, Irving acreditava que Deus estava restaurando na terra os dons apostólicos, inclusive o da cura divina. Ainda jovem, contraiu uma doença fatal. Morreu doente, sozinho, frustrado e decepcionado com Deus.

Outro caso conhecido é o de Adoniran Gordon, um dos principais líderes do movimento de cura pela fé no século 20. Gordon morreu de bronquite, apesar da sua fé e da fé de seus amigos. A. B. Simpson, outro líder do movimento da cura pela fé, morreu de paralisia e arteriosclerose. Recentemente, morreu John Wimber, vitimado por um câncer de garganta. Wimber foi o fundador da igreja Vineyard Fellowship (Comunhão da Vinha ou Videira) e do movimento moderno de "sinais e prodígios". Ele, à semelhança de Gordon e Simpson, acreditava que, pela fé em Cristo, o crente jamais ficaria doente.
Líderes do movimento de cura pela fé no Brasil também têm ficado doentes. Não poucos usam óculos para corrigir defeitos na vista e até têm problemas nas mãos.

Cristãos verdadeiros, pessoas de fé, eventualmente adoeceram e morreram de enfermidades, conforme a Bíblia e a história claramente demonstram. Isso significa que as doenças nem sempre representam falta de fé e que Deus se reserva o direito soberano de curar quem ele quiser.


Publicado originalmente no blog O Tempora, O Mores!

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