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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Dicotomia

                                                          INTRODUÇÃO
    Há vários pensamentos acerca da constituição do homem, como o monismo, que entende que o homem é formado unicamente de um elemento (corpo), e da tricotomia, que entende que há três elementos, a saber, corpo, alma e espírito. Contudo, cremos na dicotomia, ou seja, que há apenas dois elementos: corpo e alma, também chamada de espírito.
    Os termos usados comumente na Bíblia, em hebraico e em grego, para designar os elementos constitutivos dos homens, são bãsãr, soma, corpus (corpo) e nishma’, ruwach, nefesh, psychê, pneuma, animus (mente, alma, ânimo, espírito). Veremos que o último grupo fazem referência à alma e espírito como sendo o mesmo elemento. Contudo, não me deterei nos aspectos lingüísticos dos termos.
    Vejamos, portanto, alguns argumentos bíblicos que nos mostram que a opção mais coerente é a crença na dicotomia.

                                                            ARGUMENTOS
1.    O primeiro ponto a destacar é que no relato da criação (Gn 2.7 ) vemos apenas dois elementos em destaque: o corpo, formado do pó da terra, e um elemento espiritual quando Deus soprou fôlego de vida, tornando o homem alma vivente. “Alma”, aqui, não é um elemento distinto, mas liga-se ao termo “vivente”, sendo o designativo da própria vida advinda do sopro.

2.    No que diz respeito à morte e ao estado da alma imediatamente após a morte: a morte é descrita como entrega da alma (Gn 35.18; At 15.26) e também como entrega do espírito (Sl 31.5; Lc 23.46). Ver ainda Ec 12.7; 2 Co 5.4-8; Fp 1.23,24; At 5.59.

3.    Os tricotomistas defendem que a alma é a sede das emoções, intelecto e vontade. Vêem o Espírito como o elemento que nos liga à Deus. Portanto, se fosse possível mostrar que a Bíblia sempre faz essa distinção, eles poderiam provar sua teoria, mas não é possível, pois, como veremos, os termos são sados um pelo outro:
•    Jo 12.27 e 13.21 falam dos dois (espírito e alma) angustiando-se, assim como Lc 1.46,47.
•    O espírito tem emoções: Jo 13.21; Pv 17.22; O espírito tem intelecto: Mc 2.8; Rm 8.16; 1 Co 2.11.
•    A alma se relaciona com Deus: Sl 25.1; 62.1; 103.1; 146.1; Lc 1.46. O espírito não é mais puro que a alma, pois pode pecar: 2 Co 7.1; 1 Co 7.4; Sl 78.8; Dn 5.20.; Pv 16.2.
•    Vê-se que tanto uma como outra são usadas para designar a sede das faculdades racionais (Mt 10.28; 16.26; 1 Pe 1.22). Ambas também são empregadas para se referir ao princípio vital do corpo (Tg 2.26).
•    Pessoas falecidas são chamadas tanto por um como por outro termo (At 2.27,31; Ap 6.9; 20.4; Lc 24.37,39; Hb 12.23; 1 Pe 3.19).

4.    Quanto a passagens em que apresentam os três termos juntos e aparentemente distintos uns dos outros, é usado o paralelismo, que é uma idéia repetida usando termos diferentes. Vejamos:
•    Dt 6.5: “Ame o SENHOR, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todas as suas forças”. Vemos aí vários termos, mas, coração, alma e forças são a mesma coisa no texto. Se coração fala da fonte dos sentimentos e este é um atributo da alma (GINGRICH, 1984, p. 226), seguindo a interpretação tricotomista, há um problema para resolver, pois são duas coisas distintas (alma e coração) com a mesma função!
•    Hb 4.12: “Pois a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais afiada que qualquer espada de dois gumes; ela penetra até o ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e julga os pensamentos e intenções do coração”. Ela diferencia pensamentos e intenções do coração (intelecto e vontade). O texto fala de aspectos da alma, não de coisas diferentes. A palavra psychê se refere à alma humana, acentuando sua qualidade como o princípio vital do homem. A palavra pneuma se refere à alma, acentuando sua qualidade racional. Contudo ambas se referem à mesma alma.
•    1 Ts 5.23: “Que o próprio Deus da paz os santifique inteiramente. Que todo o espírito, a alma e o corpo de vocês sejam preservados irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo”. Assim como Hb 4.12, não fala de três partes. Vemos mais um caso de paralelismo, assim como vemos em Mt 22.37 “Respondeu Jesus: ‘Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento’”. Nem precisamos falar do coração, basta ver que entendimento, sendo na visão tricotomista como sendo componente da alma, estaria repetindo a idéia de alma com outra palavra, usando, portanto, três termos para falar de uma única coisa.

5.    Há textos que mostram o homem como constituído tanto por corpo e alma quanto por corpo e espírito: (Mt 10.28; 1 Co 5.5; Tg 2.26; 1 Co 5.3; 7.34; 2 Co 7.1; Rm 8.10; Cl 2.25).

6.    Pitágoras e Platão, seguidos pelos demais filósofos gregos e romanos defendiam a tripla constituição do homem: espírito racional (nous, pneuma, mens), alma animal (psychê, anima) e corpo (corpus, soma). Assim, Paulo pode estar falando muito mais falar em uma linguagem popular aos que tinha essa cultura helenística, usando os três quando queria fazer menção da totalidade do homem (1 Ts 5.23; 1 Co 15.44; ver também Hb 4.12). Essa criação do elemento espírito pelos gregos se devia à visão de que o corpo e alma são ruins, “pecaminosos”, necessitando-se, assim, de um elemento puro para a ligação com os deuses.

7.    Os tricotomistas dizem que é o Espírito que se relaciona com Deus, portanto, não há participação da mente/intelecto, mas isso é uma visão baseada no misticismo, e não é o que a bíblia expressa. O Espírito Santo convence, isso se dá na mente. Devemos nos transformar pela renovação da mente. As pessoas se relacionam usando o coração que é o mesmo que alma e espírito. A mente é elemento fundamental no cristianismo .

8.    Eles também dizem que os animais tem uma alma rudimentar e o que diferencia o ser humano é a existência do espírito. Contudo, se é na alma que está o intelecto e a vontade e não se pode provar a afirmação da existência de mais de um tipo de alma, então os animais deveriam possuir estes atributos, além de terem um elemento imortal (alma). Ec 3.21: “Quem pode dizer se o fôlego do homem sobe às alturas e se o fôlego do animal desce para a terra?” Esse texto pode se referira uma compreensão da existência espiritual eterna do homem, enquanto os animais não a tem .
                                                           
                                                               CONCLUSÃO
     Desta forma, não há possibilidade de aceitação da composição do homem em três elementos distintos, tricotomia, pois os parcos textos que apoiariam esse pensamento (apenas dois) são, na melhor das hipóteses, muito contestáveis e inconclusivos, especialmente quando se observa o paralelismo.
     Por sua vez, os textos que falam da criação, da morte e do estado do estado da alma logo após a morte, os termos usados um pelo outro e a impossibilidade de mostrar biblicamente que há três elementos e que o corpo, a alma e o espírito teriam funções distintas e bem definidas, provam que não é possível provar biblicamente a existência de três elementos, distinguindo-se espírito e alma.
    Quanto ao monismo, apesar de o Antigo Testamento, à primeira vista parecer falar do homem como apenas corpo, ele na verdade ressalta em diversas passagens a existência de um elemento imaterial, Vê-se no judaísmo a crença neste elemento. Contudo não abordarei aqui essa visão, que é ainda mais claramente refutada pela bíblia.
    Lembro que não se pode fazer doutrina com apenas um (ou dois) versículos, mas à luz do que diz toda a Escritura Sagrada. A tricotomia se apóia apenas no pensamento grego e em dois versículos bíblicos.

                                                               REFERÊNCIAS
•    GRINGRICH, Wilbur & DANKER, Frederick W. Léxico do Novo Testamento grego/português. 1ª ed. Trad. Júlio P. T. Zabateiro. São Paulo: Vida Nova 1984. 228 p.
•    COENEN, Lothar & BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 1. 2ª ed. Trad. Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova: 2000. p. 69-79; 713-720.
•    BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Campinas: Luz Para o Caminho, 1990. p. 181-187.
•    GRUNDEM, Wayne. Manual de Teologia Sistemática: uma introdução aos princípios da fé cristã. Trad. Heber Carlos de Campos. São Paulo: Vida, 2001. p. 207-212.
•    ERICKSON, Millard J. Introdução à Teologia Sistemática. Trad. Lucy Yamakami. São Paulo: Vida Nova, 1997. p. 227-233.

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